2.1.10

Os Quadrinhos Autorais

Artigo escrito para a Oficina de Quadrinhos Autorais.

Assim como na música, existe uma categoria autoral dentro da produção de histórias em quadrinhos que, em cada canto do mundo e em cada artista, se exprime de forma singular. Há alguns anos, quando a internet abriu as mentes e nos fez enxergar em outras direções houve uma redescoberta e uma renovação na produção das histórias em quadrinhos autorais ao redor do mundo. Antes, obras dessa natureza, eram raras e muitas vezes estavam restritas a certos guetos.

A ascendente produção das histórias em quadrinhos, desde o aparecimento do jornal impresso no final do século XIX, vivenciou bem de perto o período de censura dos anos 50 nos EUA. Foram escritos livros sobre o mal que essa mídia causava na mente dos jovens a ponto de provocar males sociais como atos de vandalismo e delinqüência, resultando na queima de montanhas de quadrinhos em público e a criação de um “código de autoridade”, que passou a restringir o conteúdo das publicações mais populares do mundo. Muitas editoras faliram ou tiveram que se adequar ao código, que proibia o uso de gírias e roupas sensuais, para citar exemplos. A imagem negativa propagada por essa campanha foi tão grande que ainda hoje muitos pais se preocupam quando seus filhos começam a ler “outros” quadrinhos. Em reação a esse código, o aparecimento da revista MAD, ainda nos anos 50, editada por Harvey Kurtzman, que em suas páginas retratava cinicamente com humor uma sociedade americana abobalhada, criou o terreno fértil para o furioso Comix Underground da década seguinte. Foram autores como Crumb, Williams, Griffin, Shelton os primeiros a publicar seu material de forma independente. Olhando bem para o passado a partir desse ponto da história, não será difícil perceber que os quadrinhos, desde o seu nascimento, sempre foram produzidos sob a influência direta dos acontecimentos da realidade urbana, captavam o espírito do momento e se aproximavam de quem estava antenado na mesma frequencia. Por isso os anos 60 são os mais importantes para essa resistência dentro dos quadrinhos. Um período marcado por guerras e repressão, crise que resultou em grande fervor criativo da juventude daquele período.

Assim como os Beatles ou o Google, os quadrinhos underground repercutiram de forma assombrosa em pouco tempo, enraizando-se nas diversas culturas, influenciando a identidade dos jovens ao lado da música, do cinema, do surf, do graffiti, etc. no mundo inteiro, inclusive no Brasil e na Europa. O aparecimento de bons artistas de histórias em quadrinhos é uma constante. Moebius, Crepax, Manara despontavam na Europa. Henfil, Angeli, Laerte, Fabio Zimbres, Adão através das revistas como Balão, O Pasquim, Chiclete com Banana, Animal, Dumdum e tantas outras, demonstram que o Brasil sempre esteve em conexão com sua produção vanguardista de histórias em quadrinhos. Mais recentemente a internet revelou-nos novos autores brasileiros como André Dahmer, Rafael Sica, Caco Galhardo, Allan Sieber, Arnaldo Branco, o argentino Liniers e diversos franceses, italianos e espanhóis.

Os quadrinhos autorais são os que se revigoram a cada geração e absorvem as mudanças da sociedade, alimentam-se das experiências de outras linguagens artísticas como a música, a literatura, o cinema, as artes plásticas e são movidos pela paixão de quem os faz, pessoas com algo a dizer no momento. Cada vez mais aparecem histórias em quadrinhos que exprimem vontade de estabelecer relações de intimidade com o leitor e de convidá-lo à reflexão, livres para recriar estéticas com ampla possibilidade para a expressão artística. Por ser uma mídia de grande facilidade técnica e imenso carisma no imaginário popular, ela cumpre bem o seu papel de ser um veículo artístico que conecta os seres humanos.

2 comentários:

henrique disse...

eh quase um manifesto.

Vitor Batista disse...

Levem em consideração que se trata de um texto para iniciantes. Geralmente os participantes das oficinas vêm de contextos completamente diferentes uns dos outros. Então é meio que preciso criar uma base de referencias do meio underground, que é totalmente constestável, híbrida e mutante!